Curso de Informática Avançada

quinta-feira, 15 de maio de 2014

REVISTA DOMÍNIOS DA IMAGEM


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LIVRO PARA DOWNLOAD - BENJAMIN, Walter. ''A Obra de Arte na Época de Suas Técnicas de Reprodução''

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FRAGMENTO DE LIVRO PARA DOWNLOAD - BAUDRILLARD, Jean. ''Tela Total'' [INCOMPLETO]

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LIVRO PARA DOWNLOAD - BAUDRILLARD, JEAN. ''SIMULACROS E SIMULAÇÃO''


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LIVRO PARA DOWNLOAD - AUMONT, JACQUES. ''A IMAGEM''

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ARTIGO PARA DOWNLOAD - MENESES, Ulpiano B. ''Fontes Visuais, Cultura Visual...'' In. Revista Brasileira de História nº 45

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ARTIGO PARA DOWNLOAD - CARDOSO, Ciro Flamarion. ''Iconografia e História'' Revista Resgate nº 1

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ARTIGO PARA DOWNLOAD - KNAUSS, Paulo. ''O Desafio de Fazer História com Imagens'' - Revista ArtCultura nº 12

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LIVRO PARA DOWNLOAD - Debray, Régis. ''Vida e morte da imagem'

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CAP LIVRO PARA DOWNLOAD - Susan Sontag - Sobre a Fotografia

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LIVRO PARA DOWNLOAD - MARTINE JOLY - INTRODUÇÃO À ANÁLISE DA IMAGEM

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LIVRO PARA DOWNLOAD - A CÂMARA CLARA - ROLAND BARTHES

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quinta-feira, 1 de maio de 2014

Redefinindo o Conceito de Imagem


Revista Brasileira de História

ISSN 0102-0188
Rev. bras. Hist. vol. 18 n. 35 São Paulo  1998
doi: 10.1590/S0102-01881998000100010 


Annateresa Fabris
Escola de Comunicação e Artes
Universidade de São Paulo

COMENTÁRIO BIBLIOGRÁFICO


RESUMO
O que é a imagem hoje? A coexistência de diferentes tipos de imagem não permite mais conceder primazia à representação, alicerçada na relação entre imagem e realidade exterior. O modelo, fruto de abstrações formais, está tomando cada vez mais o lugar da imagem especular, marcando a passagem da natureza para a linguagem e redefinindo o regime da visualidade contemporânea.

Palavras-chave: imagem, representação, modelo, simulação.

ABSTRACT
What is an image nowadays?
The coexistence of several kinds of images does not allow anymore to confer priority to representation, founded on the relationship between image and external reality. The model, generated by formal abstractions, replaces oft and oft specular image. It designates the passage from nature to language and a new system for contemporary visuality.
Keywords: image, representation, model, simulation.


Num breve, mas denso ensaio publicado em 1989, Alain Rénaud propõe uma reflexão instigante sobre o estatuto da imagem nos dias de hoje, que não pode deixar de ser levada em consideração por todos aqueles que desejam discutir a problemática da visualidade contemporânea.
Deixando de lado o conceito de imagem em prol da noção de "visibilidade cultural", Rénaud convida-nos a pensar nas transformações advindas dos processos de simulação interativa, que permitem antecipar o real físico, reproduzí-lo e manipulá-lo. Dentro dessas novas estruturas, aquela que o autor denomina "imagem espetáculo", substituída pelo "simulacro interativo", o que gera uma transformação radical não apenas do conceito de Representação, mas sobretudo da relação com o real. A imagem deixa de ser o antigo objeto óptico do olhar para converter-se em imagerie (produção de imagens), práxis operacional que insere o sujeito numa "situação de experimentação visual inédita", acrescida pela possibilidade de integrar outros registros da sensibilidade corporal, sobretudo o tato.
Se estas considerações são de âmbito geral, resultando, na verdade, de processos técnico-industriais, Rénaud não deixa, contudo, de apontar o que o novo estatuto da imagem, passível de produzir nos terrenos da estética e da arte. Embora discretamente estaria tomando corpo um novo regime estético, que o autor assim enuncia:
em direção a uma estética de procedimentos na qual o processo se impõe sobre o objeto: a forma cede lugar à morfogênese; vivemos o fim da hegemonia do espetáculo fechado e estável: a cenografia subordina-se à cenologia. Em direção a relações inéditas entre o Corpo, a Materialidade e o Artificial, em direção ao deslocamento tecno-estático da ordem representativa analógica.
Deslocamento que Renaud propõe pensar na dimensão de uma "antropologia cultural das superfícies", capaz de dar conta "das mediações visuais, simultaneamente técnicas, semânticas e estáticas que organizam (especular e especulativamente) a produção e a reprodução dos sujeitos humanos concretos de uma cultura singular".
Uma vez que isso implica por fim a uma visão idealista da arte, segundo a qual a imaginação, separada das condições técnico-materiais de produção e funcionamento, o autor articula uma proposta de leitura centrada na pop art e no hiperrealismo para discutir uma questão central da imagem clássica, o conceito de identificação. A leitura de Renaud é instigante, pois ele detecta a crise da ordem da representação não na abstração, mas em operações fundadas na figuração que corroem a figura até transformá-la apenas em superfície, em pura imagerie. Exemplar nesse sentido, a proposta de Warhol, que transforma a figura humana numa forma-superfície, a testemunhar uma existência alusiva, uma identidade pelicular, a antecipar as interfaces de conversão da imagem numérica.
A passagem da superfície à interface, do óptico ao numérico pressupõe uma outra ordem visual, alicerçada não num objeto, mas num modelo e em suas regras formais de manipulação. Passa-se da imagem especular à imagerie especulativa, da contemplação à ação, o que gera uma nova situação iconográfica, assim descrita por Rénaud:
(...) a Imagem informática não é mais o ponto de chegada visual de um corte ou de um enquadramento óptico que manifesta, por projeção - na ordem da Representação - uma essência objetiva atribuída por antecipação ao mundo e revelada pelo Olhar de um Sujeito universal e soberano (...); não é mais a `passagem do Fundo à Superfície' (...) mas um acontecimento aleatório, ponto de chegada de um processo, que remete ao jogo de toda uma série de mediações específicas que o traduzem e o conduzem até o estágio de `imagem' terminal.
Se as novas tecnologias da imagem se regem muito mais pelos procedimentos e pela morfogênese do que por resultados imediatos, isso significa que elas não são portadoras de possibilidades de inovação artística? Não é nisso que Rénaud acredita, embora não deixe de apontar o perigo de um uso gratuito ou estereotipado das novas tecnologias. Vendo nelas "laboratórios experimentais" da sensibilidade e do pensamento visual, o autor aposta num uso ativo e criativo de suas possibilidades, sem, por outro lado, profetizar o aniquilamento das formas anteriores de visualidade e materialidade. Estas serão transpostas para novos registros de significação e de fruição, a partir de uma rediscussão de seus mecanismos constitutivos e de suas relações com a existência1.
As questões apontadas por Rénaud permitem pensar de maneira profícua e dialética a relação entre o passado e o presente da imagem, posto que o autor não pretende substituir um sistema pelo outro, mas antes alertar para o caráter temporal de qualquer sistema e para a necessidade de pensar a problemática visual numa perspectiva histórica e antropológica ao mesmo tempo. Não se trata, portanto, de fazer a apologia das novas tecnologias e desacreditar o que as antecede, mas de perceber como os diferentes sistemas de produção da imagem estão vinculados às estruturas técnicas e culturais particulares, que determinam sua relação com a realidade e os modos de configuração dessa mesma realidade.
Embora com outras intenções, também Gillo Dorfles propõe uma reflexão sobre o momento atual da arte, a cavaleiro entre dois "perigos", uma produção de" retaguarda", "depositária de uma tradição obsoleta", e outra falsamente de "vanguarda", "fanatizada pela adesão franca e esnobe aos últimos achados tecnológicos". O que Dorfles pretende discutir não é o anacronismo de técnicas destituídas de qualquer intencionalidade, e sim os perigos que podem resultar de um encontro acrítico entre cultura e tecnologia. Entre esses perigos ou equívocos, o autor lembra, em primeiro lugar, a possibilidade de um esgotamento da fantasia em conseqüência do deslumbramento com as potencialidades manipuladoras dos novos meios e a libertação da dimensão manual, o que levaria a um hedonismo progressivo, e não a uma autêntica experiência artística.
A perda de ritualidade e a falta de uma "experiência vivida" na fruição estática são outros problemas sobre os quais Dorfles chama nossa atenção. Este segundo aspecto recobre a esfera da simulação, que o autor aproxima da "perda da aura", analisada por Benjamin na década de 30 a partir do fenômeno da reprodutibilidade. Se Dorfles não desconhece o alcance da revolução da reprodução, não hesita, porém, em falar em "falsificação das imagens" e em alertar para a pseudocultura que está na base de "equivalentes" quase absolutos e, por vezes, mais atraentes que os originais.
A análise de uma possível relação entre técnica e estética completa-se com um alerta final: a necessidade de não conferir aos produtos forjados pelas novas tecnologias as mesmas prerrogativas dos produtos manuais, bem como de não subjugar as criações artísticas de derivação artesanal aqueles processos reprodutivos que alteram sua verdadeira natureza e suas mais profundas qualidades expressivas2.
Os vários alertas de Dorfles repousam numa concepção nostálgica da arte, que tem consciência da perda da dimensão utópica que o projeto moderno lhe havia conferido, e não consegue vislumbrar outras possibilidades para ela numa sociedade dominada por uma estetização difusa propiciada pelos meios de comunicação de massa.
Se é evidente que o fascínio tecnológico não é suficiente para elaborar novas formas de linguagem, de nada adianta, porém, pensar a arte a partir de categorias ainda humanistas, buscar um tipo de fruição que se perdeu com a exposição constante do olhar à imagem onipresente. Poder-se-ia dizer, ao contrário de Dorfles, que, freqüentemente, os ensaios das novas tecnologias redefinem a relação do fruidor com a obra, obrigando-o a ter uma atenção concentrada num fluxo contínuo, que só pode ser apreendido em sua totalidade, a introjetar a temporalidade proposta pelo artista, enquanto não é raro um olhar transeunte sobre os produtos tradicionais, que nada mais fazem do que exibir estruturas e relações perceptivas conhecidas de sobejo.
O que é importante sublinhar, se quisermos pensar em estratégias de ensino em consonância com o momento atual, é que as mudanças técnicas implicam necessariamente mudanças de pensamento e de visualidade. Como afirma Pierre Lévy:
Uma mudança técnica é ipso facto uma modificação do coletivo cognitivo, implica novas analogias e classificações, novo mundos práticos, sociais e cognitivos3.
Tal como Rénaud, Lévy não deixa de ter uma visão histórica da relação entre técnica, tecnologia e sociedade. Em Les Téchnologies de l'Intelligence, insere a rede numérica na continuidade de uma história das tecnologias intelectuais e das formas culturais a elas associadas4, que faz consistir em mais dois tempos específicos, o da oralidade ("palavra e memória") e o da escrita ("escrita e história").
Faz-se necessária, pois, uma visão histórica e antropológica da relação entre técnica e cultura, capaz de fornecer ao educador da atualidade a exata dimensão dos diferentes momentos de um diálogo, que não pode ser tomado como absoluto, mas que deve ser visto em suas interações e em suas contradições. Se o universo da técnica e da tecnologia gera novos modos de pensamento e de visualidade, é sobre essas articulações temporais que deverão incidir seu discurso, sem transformar uma articulação possível num modelo a partir do qual irão ser julgadas as estruturas anteriores e posteriores. Não se trata, portanto, de depreciar toda a arte anterior ao advento das novas tecnologias, por não oferecer suas possibilidades de manipulação e de interação, nem de julgar as propostas oriundas destas a partir de categorias estéticas tradicionais, incapazes de dar conta de sua dimensão antes de tudo projetual.
Talvez alguns exemplos concretos possam mostrar mais claramente o que se pretende sugerir. Será tomada como eixo a oposição entre imagem especular e imagerie especulativa, esboçada por Rénaud, porque ela permite pensar, em grandes linhas, a história da arte do Renascimento aos dias de hoje.
A imagem especular, própria do Renascimento, não é resultado de uma ação apenas artística. O fruto de uma combinação entre arte e ciência, que tem na observação e descrição do referente exterior seu modo peculiar de afirmar um universo laico e empírico, não mais sujeito às constrições da religião. O artista do Renascimento supera o anterior estágio artesanal, intrinsecamente vinculado ao domínio de técnicas manuais, e se converte num pesquisador, no organizador de uma nova visualidade, que tem na perspectiva seu produto mais sofisticado.
Modelo de organização e de racionalização de um espaço hierárquico, a perspectiva é bem mais do que a aplicação de leis geométricas e matemáticas. É a possibilidade de estruturar a priori o universo mutável da natureza, a partir de um ponto de vista que é aquele de um sujeito onisciente, capaz de tudo dominar e determinar. Não se pode esquecer, por outro lado, que o momento da perspectiva é o momento da imprensa, o momento do armazenamento e da distribuição de um conhecimento cumulativo, interessado na preservação do passado e na difusão do presente, que busca na forma fiel e rigorosa um novo estilo cognitivo, baseado na "demonstração visual"5. Mesmo imagens de derivação tecnológica como a fotográfica e a vídeo-eletrônica ainda são elaboradas a partir de uma realidade visível pré-existente, integrando, portanto, o universo da especularidade.
Bem outra é a lógica da imagem numérica, fruto de manipulações formais e linguísticas, produto de uma abstração formal que sintetiza uma imagem ex nihilo e confere autonomia simbólica aos objetos conceituais que dela derivam. É a passagem de uma representação do mundo real à elaboração de um modelo pré-concebido, do concreto ao abstrato, da natureza à linguagem, como pontua Philippe Quéau6.
A idéia clássica da janela é substituída pela interação permanente entre imagem e modelo, pela possibilidade de penetrar no interior da imagem, que se transforma em lugar, ao ver abandonada a bidimensionalidade à qual estava condenada. Experiência em si, em potência, que possui outras possibilidades para além daquelas imediatamente visíveis, a imagem virtual constitui para Quéau não apenas uma nova técnica, mas, antes de tudo," a aparição de uma nova escrita", tão determinante quanto o alfabeto e a imprensa7.
Não é dessemelhante a postura de Pierre Lévy, que detecta no computador o dispositivo técnico a partir do qual o homem percebe o mundo, não apenas em termos empíricos, mas também transcendentais, uma vez que a sociedade atual concebe "mais e mais o social, o vivido ou os processos cognitivos com uma grade de leitura informática". A experiência pode ser estruturada pelo computador, o que não significa que seus produtos sejam apenas instrumentais. Lévy acredita, ao contrário, que os produtos da técnica moderna podem ser fontes de imaginário, entidades que participam da configuração de mundos manifestos8.
Na era da informática redefinem-se os conceitos de espaço (mobilização permanente), de tempo (pontual), de memória (passagem da verdade à operatividade e à velocidade), de conhecimento (simulação, exploração interativa), de fruição (fim da recepção em prol da seleção, da recomposição, da interação, graças às interfaces), de cultura (distribuição de representações)9, o que implica o fim da epistemologia clássica e a necessidade de inventar novos modos de pensamento e, logo, de visualidade.
Se, como afirma Lévi-Strauss, a técnica é parte, produto e condição da cultura10, não se pode pensar o ensino da arte dissociado de suas condições materiais de produção e de circulação, pois isso implicaria transformar um sistema em absoluto. O que este momento crucial para a existência da imagem está apontando é justamente o contrário. A coexistência simultânea de imagens-objeto (fotogramas), de imagens-efeito (planos televisivos) e de imagens-projeto (computacionais ou virtuais) mostra que a materialidade11 de cada tipo, inerente a determinados sistemas de pensamento e de produção, que devem ser investigados em suas estruturas fundamentais a fim de que a nova visualidade seja percebida como um momento, crucial sem dúvida, no qual podem vir a se encontrar presente e memória sem necessidade de exclusões mútuas.

NOTAS
1 RÉNAUD, Alain. "Pensare l'Immagine Oggi. Nuove Immagini, Nuovo Regime del Visibile, Nuovo Immaginario". In V.A., Videoculture di Fine Secolo. Napoli, Liguori, 1989, pp. 11-27.         Links ]
2 DORFLES, Gillo. "Interferenze tra Arte e Tecnica in Rapporto ai Nuovi Media". In Epipháneia, Napoli, nº (0), mag. 1995, pp. 32-33.         [ Links ]
3 LEVY, Pierre. Les Téchnologies de l'Intelligence. Paris, Seuil, 1993, p. 166.         [ Links ]
4 Idem, p. 86.
5 Idem, p. 112.
6 QUÉAU, Philippe. Éloge de la Simulation. Seyssel, Éditions du Champ Vallon, 1986, pp. 31-32 e 186-187.         [ Links ]
7 "Nouvelles Images, Nouveaux Regards". In V.A., L'Empire des Techniques. Paris, Seuil, 1994, pp. 128-129.         [ Links ]
8 LÉVY, P. op cit., p. 16.
9 Idem, pp. 129; 131; 135; 138; 147 e 158.
10 "Les Techniques et l'Humanisme". In V.A., L'Empire des Techniques, op cit., p. 236.
11 Idem, p. 237.



Imagens de passagem: Fotografia e os ritos da vida católica da elite brasileira, 1850-1950.


Trabalho apresentado na mesa-redonda: Religião, Imagem e Representação – VIII encontro regional da ANPUH.

Ana Maria Mauad.
Professora Adjunta do Departamento de História da UFF
Coordenadora do Laboratório de História Oral e Iconografia da UFF

Minha intervenção neste painel procurará analisar as imagens de ritos de passagem da vida religiosa nos álbuns de família da elite brasileira, através de suas fotografias. Trabalhará com dois momentos:  a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, para avaliar as mudanças na forma de representação das sensibilidades religiosas. O primeiro momento é marcado pela ausência de tais representações nas imagens familiares. No entanto, as  vivências e os ritos da vida religiosa são , amplamente, citados em diários e memórias familiares. Já o segundo momento, caracteriza-se pela profusão de imagens dos ritos da vida religiosa, servindo-se, inclusive, de tais vivências para definir os ciclos da vida em família. Desta forma os álbuns de família do século XX, ao contrário dos do século XIX, têm a sua narrativa pautada por : batizados, primeiras-comunhões e  casamentos.
A exposição se dividirá em três partes:
·         Imagem fotográfica como representação: na qual procurarei identificar os nexos entre representação e imagem fotográfica, a partir de uma abordagem histórico-semiótica.
·         Fotografia, família e religiosidade: o silêncio oitocentista: nesta parte serão avaliados os tipos de imagens que se produziam e a presença dos ritos da vida católica no cotidiano das famílias das camadas médias e altas da sociedade brasileira. Cruzar-se-á as evidências escritas com as ausências nas imagens, buscando-se entender o porque que a imagem de tais ritos não se constituía como uma representação para a sociedade oitocentista – mesmo que os recursos da técnica fotográfica possibilitassem tais fotografias.
·         Fotografia, família e religiosidade: a eloquência burguesa: neste segundo momento a fotografia atinge a privacidade dos lares, passa a fazer parte do cotidiano social, tendo como agente deste processo, os pais de família. O desenvolvimento da técnica fotográfica levou à compactação das máquinas, ao barateamento dos custos da produção da foto e à uma generalização de laboratórios especializados em revelar e ampliar a imagem fotográfica. O que antes era relatado no diário de família, passa a compor o álbum de fotografias. A palavra escrita cede lugar à imagem fotográfica na elaboração das representações sobre as vivências religiosas. Atuando como importante baliza na narrativa das memórias familiares, as fotografias sobre eventos religiosos, terão como marca de possibilidade, muito mais do que as facilidades da técnica fotográfica, a mudança nos códigos de representação social, fortemente marcados, desde a virada de século, por códigos de comportamento tipicamente burgueses. Desta forma a publicização do evento religioso pela imagem fotográfica estava associada a uma nova forma de sensibilidade religiosa, agora relacionada à uma codificação do tipo burguês.


Fotografia como representação.

O conceito de representação passou a fazer parte do vocabulário histórico, a partir da aproximação desta disciplina com as demais disciplinas das Ciências Sociais, notadamente, a antropologia. No entanto, representação, tal como tantos outros conceitos, tomados de empréstimo pela história, na tentativa de alargar seus horizontes teóricos, merece um pouco mais de atenção, dada a sua característica muitas vezes polissemica.
Logo de início vale atentar-se, para o fato de que o conceito de representação, originário da matriz oitocentista da antropologia cultural – Mauss e Durkheim- ganhou um campo mais amplo de aplicação com a gradual aproximação da antropologia com as Ciências da Linguagem, particularmente a Semiótica e a Semiologia.
Desta forma, tal como aponta Roger Chartier, o conceito de representação tem, em sua base etimológica, uma duplicidade de significado, cuja aplicação, engendra  procedimentos teóricos antagônicos:
“As definições antigas do termo manifestam a tensão entre duas famílias de sentidos: por um lado, representação como dando a ver uma coisa ausente, o que supõe uma distinção radical entre aquilo que representa e aquilo que é representado; por outro lado a representação como exibição de uma presença, como apresentação pública de algo ou alguém”[1]
Teríamos, segundo esta distinção, duas modalidades de representação:
1°) Representação como imagem presente de um objeto ausente. Daí, identificada com uma noção, já ultrapassada de signo, que o definiria como algo que mantém uma relação de substituição com o objeto que o origina.
2°) Representação como constrangimento. Neste caso a presença de signos visíveis seriam a prova de uma encenação. Neste sentido, como completa Chartier, “a representação transforma-se numa máquina de fabrico, de respeito  e de submissão”[2].
No entanto, deter-se, em um destes dois sentidos seria, justamente, perder a enorme contribuição que, os estudos sobre os processos de produção de sentido, forneceram para a compreensão e análise das práticas e comportamentos sociais – individuais e coletivos. Dentro desta perspectiva, a definição proposta por Sergei Moscovici, para o conceito de representação social, desvenda toda a sua possibilidade analítica. Para este autor representação social define-se como: 
“Um sistema de valores, de noções e de práticas, com uma dupla vocação. Inicialmente, de instaurar uma ordem que dê ao indivíduo a possibilidade de se orientar no ambiente social, material e dominá-lo. Em seguida, de assegurar a comunicação entre os membros de uma comunidade propondo-lhes um código para suas trocas e um código para dominar e classificar de maneira unívoca as partes do seu mundo, de sua história individual e coletiva”[3]
Claro que tal definição, não se distancia muito da de Chartier quando ele, habilita teoricamente, o conceito de representação, como a chave para a compreensão de uma dada realidade histórica. Ao ultrapassar  limiar idealista, inscrito no conceito de mentalidade, a noção de representação ensejaria três formas de articulação das idéias, valores e sentimentos com a dinâmica do mundo social:
“Em primeiro lugar, o trabalho de classificação e de delimitação que produz as configurações intelectuais múltiplas, através das quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos, seguidamente, as práticas que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição; por fim, as formas institucionalizadas e objetivadas graças as quais “representantes” (instâncias coletivas ou pessoas singulares) marcam de forma visível e perpetuada a existência do grupo, da classe ou da comunidade”[4]
Devedor da tradição sociológica inaugurada por Norbert Elias, Chartier define representação, a partir de um outro conceito que, na verdade, o fundamenta. O conceito fundador é o de habitus. Para Elias, habitus é a forma de sentir e agir não reflexiva, o equivalente à uma segunda natureza que, através da disciplinarização das pulsões e do autocondicionamento psíquico vai, pouco a pouco, estruturando a personalidade humana[5].
Ainda nesta linha de reflexão, Pierre Bourdieu, distingue os esquemas geradores das práticas das representações mesmas, que envolvem tais práticas. Tais esquemas geradores, segundo o autor, podem ser chamados de cultura, competência cultural, ou para evitar equívocos, habitus.  Bourdieu define habitus como um sistema de estruturas interiorizadas e “condição de toda objetivação”[6].
O habitus, dentro de tal perspectiva, constitui a matriz, a partir da qual, os códigos de comportamento e as estruturas sociais são internalizadas pelo indivíduo. Neste processo, o conjunto de experiências sociais vivenciadas pelos indivíduos, ao longo de seu crescimento, nas diferentes etapas de sua vida, estariam norteadas pelo habitus de classe. Limite e condição das representações sociais.
Como representação a fotografia não pode ser dissociada do ato que a fundamenta, ou seja, também se fundamenta num habitus. Muito mais do que uma mensagem que se processa através do tempo, a fotografia atualiza, no tempo, o referente que a engendrou. Na sua dimensão de índice, de marca e de resquício a fotografia é sempre uma presença. Não substitui a experiência vivida, mas institui, a cada fotografia tirada, a cada fotografia admirada,  uma nova experiência. Portanto antes de representar, a fotografia aponta, indica e designa.  Para Roland Barthes, o certificado de presença, inscrito na imagem fotográfica, a diferencia das demais imagens, sempre associadas aos signos icônicos:
“A fotografia não fala (forçosamente) daquilo que não é mais, mas apenas e com certeza daquilo que foi[...]. Diante de uma foto, a consciência não toma necessariamente a via nostálgica da lembrança, mas a vida da certeza: a essência da fotografia consiste em ratificar o que ela representa[...] a fotografia é indiferente a qualquer revezamento: ela não inventa; é a própria autenticação; raros artifícios por ela permitidos não são probatórios; são, ao contrário, trucagens: a fotografia só é laboriosa quando trapaceia[...], ela jamais mente: ou antes, pode mentir quanto ao sentido da coisa, na medida em que por sua natureza é tendenciosa, jamais quanto a sua existência. Impotente para as idéias gerais (para a ficção), sua força, todavia, é superior a tudo o que o espírito humano pode, pôde conceber para nos dar garantia da realidade[...] Toda a fotografia é um certificado de presença. Esse certificado é o gene novo que sua invenção introduziu na família de imagens”[7]
O fundamental é diferenciar esta forma de presença daquela, relacionada por Chartier, que relaciona-se à encenação e ao constrangimento. O filósofo francês Philipppe Dubois, relaciona, a idéia de presença inscrita na fotografia, à ontologia da imagem fotográfica, ou seja, a sua gênese automática – no exato momento de sensibilização, pela luz, da superfície fílmica, o ato fotográfico foge ao controle humano é pura escrita de luz . Daí a marca de resquício e a relação de contiguidade estabelecida entre a imagem fotográfica e seu referente. Daí, também a idéia de atualização e presentificação, inscritas na pragmática do ato fotográfico.
O signo fotográfico, segundo Dubois é, dependendo do nível das relações que estabelece com sua situação referencial, tanto índice, quanto ícone como símbolo, ou seja, é resquício de luz, é representação por analogia e é, também, convenção social. No entanto, mesmo, valorizando os procedimentos e atos fundamentados em escolhas culturais – nos chamados códigos- Dubois prioriza a dimensão indiciária do signo fotográfico, por esta implicar plenamente o próprio sujeito na experiência:
“Em suma, um dos grandes desafios desta lógica do índice é colocar radicalmente a imagem fotográfica como impensável fora do próprio ato que a faz ser, quer este ato passe pelo receptor, pelo produtor ou pelo referente da imagem. Espécie de imagem ato absoluta, inseparável da sua situação referencial, a fotografia afirma por isso sua natureza fundamentalmente pragmática: ela encontra seu sentido primeiro na sua referência”[8]
A necessidade de considerar a dimensão pragmática, antes mesmo de compreender os atributos semânticos da mensagem por ela engendrada, distingue significativamente a fotografia dos demais meios de representação.
Portanto, a fotografia apresenta, para então, representar – assumir a sua dimensão de mensagem significativa, de classificação ou, quiçá, de lugar de memória. No entanto, para não cairmos numa fenomenologia do ato fotográfico é, fundamental que, se relacione à sua pragmática fundadora, a noção circuito social da fotografia, relativo, como tantos outros comportamentos ao habitus de cada época e grupo social.
É desta forma que entendemos a constituição dos álbuns de família. Um procedimento relacionado a uma necessidade que orienta sua organização, de formas diferenciadas ao longo do tempo. Desde os pesados e luxuosos álbuns oitocentistas até o banco de imagens digitalizadas e distribuídas pela Internet, a produção de sentido no âmbito familiar pode ter mudado na forma mantendo, no entanto, a substancia que a alimenta, como reflete Dubois:
“Toda a prática do álbum de família vai no mesmo sentido: para lá das poses, dos estereótipos, dos clichês, dos códigos datados, para lá dos rituais de ordenação cronológica e da inevitável escansão dos acontecimentos familiares (nascimento, batismo, comunhão, casamento, férias, etc.)  o álbum de família não deixa de ser um objeto de veneração, cuidado e cultivado [...] abre-se com emoção, numa espécie de cerimonial vagamente religiosos, como se tratasse de convocar os espíritos. Seguramente, o que confere um tal valor a esses álbuns não são nem os conteúdos representados, nem as qualidades plásticas e estéticas da composição, nem tampouco o grau de semelhança e realismo das fotografias, mas a sua dimensão pragmática, o seu estatuto de índice, o irredutível peso referencial, o fato de se tratar de verdadeiros vestígios físicos de pessoas singulares que estiveram ali e têm relaçòes particulares com os que guardam as fotografias. Só isso explica o culto de que são objeto as fotos de família”[9]
Como forma de expressão das sensibilidades religiosas a fotografia, tanto apresenta quanto representa, as formas como cada sociedade e cada grupo social, vivenciou os ritos de passagem da vida religiosa. O interessante é notar como, no século XIX, às opções do retrato, simplesmente,  implicaram na ausência de temas relativos à vida religiosa.. É, a partir da dialética entre aquilo que a fotografia apresenta e aquilo que ela silencia, sobre os ritos da vida religiosa, que refletiremos sobre as imagens produzidas pela sociedade oitocentista.

Fotografia, família e religiosidade: o silêncio oitocentista.

Como coloca Roger Chartier, toda a representação só se consubstancia numa prática que, por sua vez, engendra uma forma de apropriação, sendo a história cultural o estudo dos processos com os quais se constrói o sentido. Dito isso, como interpretar a ausência de imagens dos ritos da vida religiosa – batismo, comunhão e casamento -, nos álbuns de família da sociedade oitocentista? A ausência na imagem é também uma forma de representação que, de forma alguma implica na desvalorização de tais ritos. Ao contrário, esta ausência, nos obriga, em primeiro lugar, a refletir sobre qual o papel designado a tais práticas na sociedade e, em seguida, avaliar no que efetivamente era fotografado a relação com tal ausência.
Em um interessante manuscrito, denominado, “Meu nascimento e factos mais notáveis da minha vida (1835-1900)”, o médico residente em São Cristovão, Augusto José Pereira das Neves, rememora os fatos mais significativos de sua vida. Anualmente sumariza, os eventos, considerados por ele relevantes, dentre passeios, doenças e mudanças de endereço, o batizado, comunhão, casamentos e morte dos filhos dos filhos pontuam sua narrativa, como fio condutor de um tempo que já passou, mas que é atualizado no momento da escritura, pelo filtro da memória.
Aí encontramos devidamente referendados os ritos da vida católica. Logo, no início do manuscrito, antes de iniciar a narrativa dos anos, José Augusto, faz uma breve biografia de cada um de seus 10 filhos. Em tais sumários biográficos a data com hora e o local do batismo são informações indispensáveis, seguido do enterro quando os filhos morriam pequenos
No decorrer do século XIX, escreve Anne Martin-Fugier, o batismo e a comunhão, além de marcar a entrada das crianças na comunidade cristã, transformam-se em reuniões de família, ocasiões para comprovar sua vitalidade e renovar seus atos.
Os filhos do Doutor Augusto foram batizados quase  todos na matriz de Santa Rita, com idades que variaram entre 3 meses de vida a 1 ano e três meses. Somente um deles, a filha Annita, foi batizada “no oratório do colégio da prima Rosinha a rua Miguel de Frias, para o que pedi licença ao vigário da Matriz de Santa Rita”.
O horário da cerimônia de batismo era livre, sendo o mais cedo às sete e meia da manhã e o mais tarde às cinco horas da tarde, depois seguia-se uma breve celebração. Na relação dos presentes na cerimônia, os padrinhos ganhavam destaque, sendo anotado entre parênteses a relação que os escolhidos mantinham com a família, isto porque, “tanto o padrinho quanto a madrinha têm a função oficial de assegurar a educação do afilhado, no caso da perda dos pais. Mas acima de tudo são encarregados de presentes ritualizados”
  Os padrinhos também cumpriam um importante papel no enterro dos filhos pequenos, como fica explicitado, na seguinte passagem: “O padrinho lhe fez o enterro com toda a crença. Deus lhe dê o ceo pobre filhinha – tão esperta e engraçadinha”.
A morte presente na narrativa verbal, como marco de consumação, também, podia ser encontrada na fotografia. O retrato de crianças mortas não era raro nos álbuns de família, denotando que esta forma de ritual não era interditado ao retrato, inscrevendo a morte na imagem como forma de perenizar a presença do ente que se foi. Uma presença que não se consome com o tempo e se atualiza a cada novo olhar. Mesmo não estando presente o filho morto está ali.
Na sociedade oitocentista, a primeira comunhão disputa com o casamento o título de ‘mais belo dia da vida’. Sob muitos aspectos ela antecipa o papel do casamento, pois representa um compromisso feito perante toda a comunidade. A cerimônia também prefigura o ritual do matrimônio, desde a indumentária – vestidos e véus de musseline para as meninas e o sóbrio traje negro para os meninos – até a mise-en-scéne de entrada na igreja e a expressão dos sentimentos de comoção religiosa[10].
Apesar da igreja haver tentado, sucessivamente, adiantar a data data da primeira-comunhão, como forma de garantir, mais cedo a pureza da alma, ao mesmo tempo que tentava reduzir o luxo que rodeava tais celebrações. Via de regra, ao longo do XIX, a primeira-comunhão era feita entre 10 e 12 anos. Somente no século XX, que a data dos sete anos, pretendida pela Igreja, torna-se obrigatória com o decreto papal de 8 de agosto de 1910[11].
O doutor Perreira das Neves, não deixou de relatar o dia da primeira-comunhão de sua filha mais velha, com bastante emoção, denotanto a importância do ato: “A 15 de agosto de 1874 (N.S. da Glória), fez Alice sua 1ª comunhão, no collégio de Botafogo, dirigido pelas irmães. Fomos todos assistir a tão solenne acto. Deus lhe conceda a sua divina graça!”.
O casamento dos filhos também merece nota, na narrativa dos fatos notáveis da vida do Dr. Augusto José, com descrição da cerimônia, relacionando, inclusive os convidados que compareceram. Na sociedade oitocentista, o casamento cumpria para os setores mais aristocráticos, a manutenção da linhagem. No caso da família, em questão, pertencentes a uma possível elite urbana, o casamento era a garantia de que as filhas mulheres seriam amparadas e consideradas socialmente. Afinal de contas toda a educação feminina era voltada para este destino. Algumas vezes precoce demais.
O interessante é que a família Pereira das Neves possui fotografias que seguem o padrão das coleções fotográficas, do século XIX, deixando de fora os ritos tão lembrados pelo pai nas suas memórias.
Muitos outros exemplos poderiam ser citados, de famílias do século XIX que, em seus diários, relatavam os ritos da vida religiosa, mas não os mencionavam nas fotografias familiares. O fragmento do diário de Bernardina, filha de Benjamim Constant, relativo ao segundo semestre de 1889, relata com detalhes, aniversários, batizados e até mesmo o baile da Ilha fiscal, visto do ponto de vista de quem não foi convidado. Mas as fotografias que compõem a coleção de Benjamim Constant, mantém o mesmo padrão de tantas outra. Qual seria este padrão?
A fotografia oitocentista, divide-se em dois tipos: panoramas e vista e o retrato. Os panoramas e vistas, podem ser consideradas fotos públicas, completamente, voltadas para paisagens urbanas e rurais. Guardam um estreita relação com o panorama da pintura, em termos de opções estéticas, tais como: distribuição equilibrada dos volumes, dos claros e escuros e opção pelo enquadramento central e horizontal.
Também o retrato, guarda uma estreita relação com a pintura, em termos de opções estéticas, ganhando novos atributos no que diz respeito aos elementos de composição da foto, tais como: cenário e pose. Mas o que definitivamente, revolucionou a arte do retrato, foi a invenção, em 1852, pelo fotógrafo francês Eugene Disderi, do formato carte-de-visite, um retrato de proporções reduzidas (6x10 cm), que poderia ser copiados as dúzias, trocado, guardado e presenteado, acompanhado de uma dedicatória que remetia a imagem a alguma forma de relação entre quem dava e recebia a imagem.
O sucesso do retrato carte-de-visite deve-se justamente a capacidade de adaptar o cliente à moldes pré-estabelecidos e de possível escolha através de um catálogo de objetos e situações, o estúdio do fotógrafo passa a ser um depósito de complementos escolhidos para caracterizar diferentes papéis sociais que se quer fabricar. A 'mise-en-scène' do estúdio do século XIX variou ao longo do tempo, cada década no período da carte-de-viste e mais tarde do cabinet-size teve seus acessórios especialmente característicos. Nos anos 60 era a balaustrada, a coluna e a cortina; nos anos 70, a ponte rústica e o degrau; nos anos 80, a rede, o balanço e o vagão; nos anos 90, palmeiras, cacatuas e bicicletas e no início do século XX, o automóvel. O próprio cliente se converteu, ele mesmo, num acessório de estúdio, suas poses obedeciam padrões estabelecidos e já institucionalizados de acordo com a sua posição social.
A fotografia do período não abria mão da sua própria estética, como fica exposto no livro Estética da Fotografia, publicado por Disderi, em 1862. Neste livro o fotógrafo francês estabeleceu seis princípios básicos de uma boa fotografia:

1.      Fisionomia agradável
2.      Nitidez geral.
3.      As sombras, os meios-tons e os claros bem pronunciados, estes útimos brilhantes.
4.      Proporções naturais.
5.      Detalhes nos negros.
6.      Beleza.
A busca da beleza se torna o ideal a ser conquistado pelo fotógrafo e uma prerrogativa exigida pelo cliente. Ao satisfazer esta exigência o fotógrafo cria um padrão de representação que apaga o indivíduo em prol de um estereótipo social. Ao se reconhecer como parte integrante da mesma sociedade de imagens que os chefes de estado, sábios e artistas, o cliente se satisfaz, pois vê garantida da ação do tempo a representação que quer alcançar. Na fotografia ornamentada com acessórios, na maioria das vezes ausente de seu cotidiano, reveste-se dos emblemas de classe, com a qual quer se ver reconhecido.
A  impossibilidade técnica, da fotografia de então, em  produzir instantâneos, já que somente no final do XIX, o tempo de fixação da imagem passa  ser contado por segundos, antes disso o tempo de exposição variou de 5 a um minuto, inscreveu no próprio ato fotográfico oitocentista, a relação que a imagem fotográfica estabelecia com o seu referente. Uma relação pautada na pose estática e na hierarquia dos objetos e atributos relativos ao cenário. Paralelamente, a pratica de trocar fotografias e de guardá-las em álbuns, ratificou a padronização da imagem retratada, como forma de garantir a comunicação entre fotografias, concebidas como objetos de memória.
No caso da sociedade brasileira, do século XIX, escravista e extremamente hierarquizada, a fotografia tinha a função de ratificar através de sua imagem, a posição do fotografado na hierarquia social. Integra, assim, o habitus das sociedades de corte, na qual,
 “a posição objetiva de cada indivíduo depende do crédito atribuído à representação que ele faz de si próprio por aqueles de quem espera reconhecimento; quando compreende as formas de dominação simbólica, por meio do ‘aparelho’ ou do ‘aparato’[...] como corolário da ausência ou do apagamento da violência bruta. É no processo de longa duração de erradicação  e de monopolização da violência, que é necessário inscrever a importância crescente adquirida pelas lutas de representações, onde o que está em jogo é a ordenação, logo a hierarquia da própria estrutura social”[12]
Neste sentido, a ausência dos ritos da vida religiosa, se faz em função da presença da hierarquia social estampada na superfície da imagem.

Fotografia, família e religiosidade: a eloquência burguesa


Bem, mas se a fotografia oitocentista, cala em relação à representação dos ritos da vida religiosa na imagem fotográfica, a sociedade burguesa, que se formula, ao longo da primeira metade do século XX, no Brasil, a referenda. Desta vez, como marca de uma vivência de classe, como parte integrante do habitus, de uma sociedade que ganha em mobilidade social e promove a renegociação, entre seus pares, dos signos de distinção social.
Os rituais do batismo, da primeira-comunhão, da crisma e do casamento, na classe dominante brasileira,  acompanham a tendência, inaugurada, na Europa do século XIX, de solenidade mundana. O aparato cerimonial na igreja é feito para deixar, para cada um destes ritos, uma lembrança indelével. Devidamente preservada pela imagem fotográfica.
Em entrevista, com algumas das donas dos álbuns de família do século XX, indaguei sobre a importância e a dinâmica de tais ritos nas suas vidas familiares, a resposta dada reenvia-nos para a narrativa dos diários oitocentistas, onde tais comemorações, mais uma vez, servem de baliza para contar sua  história, tendo os filhos como atores principais. Segue um pouco desta narrativa recriada:
O batizado era geralmente realizado depois de alguns meses, para que a mãe também pudesse aproveitar a festa. Os padrinhos eram escolhidos de acordo com a amizade de cada um, mas era muito comum os avós batizarem os netos. Para ser madrinha tinha que ter feito a primeira-comunhão. A preparação do batismo incluía o enxoval e a festa , geralmente, um almoço na casa dos avós. Quando a criança nascia fraquinha, era logo batizada, minha tia como passou muito mal quando pequena, foi batizada duas vezes, a primeira rapidinho, pois achavam que ela ia morrer, já depois que vingou, o batismo foi feito com mais calma.
Na minha época de catequista, preparei muitas crianças para a comunhão. Era feita com todos juntos, depois a festa com mesa de doces oferecida pelas mães. As crianças se vestiam de anjo e eram acompanhadas por um anjo da guarda, que podia ser o irmão ou a irmã menor. No dia da comunhão era um dia muito sério. O jejum era total, não podia nem engolir a saliva. A gente confessava de tarde, vinha a preparação, o padre falava com todo mundo, depois até a comunhão, todo mundo tinha de ficar quieto, bem concentrado.. Comigo foi assim, mas com meus filhos não. Eles fizeram primeira-comunhão sózinhos, depois teve um lanche lá em casa.[13]

Dentre todos os ritos da vida católica, o de maior prestígio em termos de representação fotográfica, é o casamento. Esta celebração, a partir dos anos 40, passam a ter  direito inclusive a um álbum próprio, no qual todos os momentos da cerimônia são retratados. Desta vez, a narrativa é composta exclusivamente de imagens, deixa-se de lado o relato escrito de tais vivências, que é amplamente substituído, pelo texto fotográfico.
É importante ressaltar que, desde o final do século XIX, a fotografia instantânea já é uma possibilidade. Ao longo dos primeiros anos do século XX, a fotografia democratiza-se, devido ao barateamento e a compactação das máquinas fotográficas. Tal desenvolvimento tecnológico, inscreve a dimensão instantânea no ato fotográfico, habilitando o registro do momento. Nesta mudança na pragmática fotográfica, a emoção espontânea passa a ser valorizada pela idéia do flagrante.
A pose, apesar de toda a agilização da fotografia, permanece como elemento constitutivo da hierarquia de sentido na representação fotográfica. Fotos de distinção, preparadas para servirem de emblema social, só poderiam ser posadas.
Neste caso, a elouquência das imagens reinscrevem os ritos da vida católica, como marcas de formação e identidade do grupo social. Atuam como signos de pertencimento a uma certa comunidade de iguais. No circuito social da imagem, ultrapassam a circulação restrita e ganham uma dimensão pública. A crônica social das revistas ilustradas, colocadas à disposição, do mercado editorial carioca, ao longo da primeira metade do século XX, veiculavam, juntamente, com notas sobre o casamento ou batizado, dos filhos da elite dominante, as fotografias tiradas por fotógrafos da melhor qualidade, especializados em reportagens sociais. Desta forma as fotos de batizado, comunhão e casamento, da alta burguesia carioca, veiculada pelas revistas ilustradas cariocas, integram o catálogo de representações a serem internalizadas e como modelo a ser seguido pelo conjunto da audiência das revistas. Mantêm, assim, os laços de coesão do grupo social, garantindo, ao mesmo tempo, a construção da representação hegemônica.
A sensibilidade religiosa, nesta dinâmica, é apropriada pelo significado de distinção e de status atribuído às representações sociais, pela sociedade burguesa.

Conclusão


A fotografia como representação que se fundamenta num ato, numa pragmática, remete a análise dos processos de produção de sentido, por ela veiculados, ao contexto de sua produção. Neste caso sua leitura é sempre histórica. A dimensão da historicidade, reinscrita na mensagem fotográfica, pela idéia de ato fundador, não só reabilita o sujeito como agente produtor de sentido, como o identifica ao objeto fotografado, considerando ambos como partes de uma mesma ação.
Desta forma fica, ao historiador, sujeito de um outro tempo e agente de um novo sentido, o desafio de aperfeiçoar sua capacidade em decifrar pistas, compreender indícios e avaliar sinais.



[1] Chartier, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações, Lisboa: Difel, 1989. P.20
[2]Idem p.22.
[3] Moscovici, Sergei. A representação Social da Psicoanálise, Rio de Janeiro: Zahar, 1978. P.131.

[4] Chartier, Roger. Op.cit. p.23.
[5] Elias, Norbert. Sociedade de Indivíduos, Rio de Janeiro: Zahar, 1992
[6] Bourdieu, Pierre. Economia das trocas simbólicas, SP: Perspectiva, 1982. Introdução de Sérgio Miceli, p.XLVII

[7] Barthes, Roland. A camara clara, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. PP. 127-129.
[8] Dubois, Philppe. O Acto Fotográfico, Lisboa: Vega, 1992. P.73

[9] Ibid., p.77.
[10] Martin-Fugier, Anne. “Ritos da vida privada burguesa” IN: Perrot, M.(org.) História da vida privada, volume 4, São Paulo: Companhia das Letras, 1991, p.248
[11] Ibid., p.250

[12] Chartier, R. Op.cit. p. 23.

[13] Texto resultante da entrevista realizada com duas senhoras da mesma família que vivenciaram, na mesma época ,os ritos da vida católica. Uma delas dona da coleção de fotografias analisada por mim em outro trabalho: Sob o signo da imagem: a produção da fotografia e o controle dos códigos de representação social pela classe dominante na cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX”, Niterói, UFF, PPGH, Tese de doutorado, 1990.